Artigo Gazen – Crise econômica e equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo

Artigo Gazen – Crise econômica e equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo

O tema do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos públicos veio à tona novamente com a atual crise econômica mundial.

Assim, não resta dúvida que a crise econômica mundial desperta um problema peculiar atinente aos contratos administrativos em curso: o do reequilíbrio econômico-financeiro dessas contratações.

Nesse sentido, surgem alguns questionamentos importantes em especial: (i) se os efeitos negativos da crise provocada pela pandemia, pela guerra, entre outros prejuízos suportados pelos vários setores de infraestrutura poderiam, juridicamente, consistir em força maior capaz de embasar eventual reequilíbrio econômico-financeiro e (ii) qual(is) seria(m) a(s) condição(ões) para que uma crise econômica dessa magnitude fosse considerada um evento de força maior e se poderia-se, ainda, enquadrá-la como Fato do Príncipe.

Em análise geral, necessário rememorar a garantia constitucional de manutenção da equação econômico-financeira dos contratos, contida no art. 37, inciso XXI da Carta Magna.

Nesse sentido, leciona Marçal Justen Filho:

“Rigorosamente, a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro é um princípio regulador do contrato administrativo. Não é nem direito nem dever de cada parte, mas uma característica do contrato. Pode-se aludir ao direito da parte à recomposição da equação econômico-financeira, sempre que se produzir sua quebra por evento que preencha certos requisitos.”

Neste aspecto, o STJ também já se manifestou (REsp 1248237), afirmando que:

“a manutenção da equação financeira original do contrato é mais que uma orientação doutrinária vitoriosa, com respaldo jurisprudencial; na verdade constitui princípio erigido sob a égide constitucional desde a Carta de 1969, no art. 167, II, hoje repetido na Constituição Cidadã de 1988, no art. 37, XXI.”

Não se pode esquecer da lição do art. 65, II, “d” da Lei nº 8.666/93, que trata da alteração dos contratos administrativos por acordo entre as partes para “restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual”.

Ainda, o art. 58 da Lei nº 8.666/93. que prevê que, em casos de modificação unilateral dos contratos por determinação da Administração Pública, para fins de melhor adequação ao interesse público, as cláusulas econômico-financeiras devem ser revistas de modo a manter o equilíbrio contratual.

A equação econômico-financeira do contrato se estabelece com base na proposta apresentada pelo contratante e considerando, além das vantagens, todos os encargos assumidos pelas partes, incluindo os riscos, e que devem estar descritos no instrumento convocatório.

A respeito do tema, cabe citar o seguinte trecho de acórdão do Tribunal de Contas da União:

“O equilíbrio econômico-financeiro de um contrato administrativo é definido a partir da elaboração do ato convocatório e se materializa com o oferecimento da proposta e assinatura do instrumento contratual. A partir desse momento a lei assegura a manutenção desse equilíbrio convencionado contra eventuais ocorrências futuras que descaracterizem a equação econômica estabelecida. (Parágrafo 118 do Voto no Acórdão nº 371/2006-P/TCU).”

Com isso, concluímos que o equilíbrio econômico financeiro do contrato decorre da lei e por esta é garantida a sua manutenção.

Ainda, para Marçal Justen Filho:

a quebra da equação econômico-financeira pode ocorrer a qualquer instante e configurar-se-á sempre que se produzir alguma espécie de evento superveniente extraordinário, imprevisível ou de consequências incalculáveis, que amplie os encargos ou reduza as vantagens originalmente assumidas pela parte.”

Ou seja, faz-se necessária a existência de um fato justificador para a configuração do desequilíbrio.

Entendido o primeiro ponto, passa-se ao segundo ponto, repita-se, voltando-nos aos aspectos aplicáveis aos contratos administrativos de um modo geral.

Conforme explica Odete Medauar, a teoria da imprevisão encontra expressa previsão no art. 65, II, “d”, da Lei nº 8.666/93. A esse respeito, diz a autora:

“A alínea d diz respeito à chamada teoria da imprevisão, que, em síntese, se expressa no seguinte: circunstâncias, que não poderiam ser previstas no momento da celebração do contrato, vêm modificar profundamente sua economia, dificultando sobremaneira sua execução, trazendo déficit ao contratado; este tem direito a que a Administração o ajude a enfrentar a dificuldade, para que o contrato tenha continuidade. Tais circunstâncias ultrapassam a normalidade, revestindo-se de caráter excepcional; por isso passaram a ser incluídas na expressão álea extraordinária. A teoria da imprevisão, própria do direito administrativo, representa, nesse âmbito, o que a cláusula rebus sic stantibus (literalmente, estando assim as coisas, se as coisas tivessem se mantido no mesmo estado) significa nos contratos do direito privado. Na linha clássica, a imprevisão abria ao contratado o direito à indenização, para remediar uma situação extracontratual anormal, com o fim de não paralisar a execução do contrato.”

Sobre o tema, assim afirma Marçal Justen Filho:

“Ressalte-se que o princípio da intangibilidade da equação econômico-financeira é aplicável não só nas hipóteses de alteração unilateral do contrato. Incide ainda quando a relação original entre vantagens e encargos for afetada por eventos supervenientes imprevisíveis ou, embora previsíveis, de consequências incalculáveis (Lei nº 8.666, art. 65, inc. II, al. “d”).”

O entendimento vem sendo sedimentado no STJ, com os julgados REsp 1798728 e Resp 1433434, que concluíram pela aplicabilidade da teoria da imprevisão a contratos administrativos para o fim de restaurar o equilíbrio econômico-financeiro da avença.

Ainda:

“O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento firme no sentido de que a intervenção do Poder Judiciário nos contratos, à luz da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, exige a demonstração de mudanças supervenientes nas circunstâncias iniciais vigentes à época da realização do negócio, oriundas de evento imprevisível (teoria da imprevisão) ou de evento imprevisível e extraordinário (teoria da onerosidade excessiva).

Por fim, necessária a análise do entendimento consolidado da Corte de Contas da União (TC 007.103/2007-7) sobre a aplicabilidade da Teoria da Imprevisão aos contratos administrativos:

“Vê-se que, para a aplicação da teoria da imprevisão, é necessário ficar caracterizada a imprevisibilidade do fator causador do desequilíbrio na equação econômico-financeira do contrato; serem extraordinários e inevitáveis os acontecimentos posteriores à contratação; e causarem onerosidade excessiva a uma das partes. Nesse contexto, acontecimento imprevisível deve ser entendido como não previsto pelo gestor médio quando da vinculação contratual, enquanto extraordinário consubstancia-se, basicamente, no que refoge à normalidade.”

Sendo assim, não resta dúvida que os efeitos negativos da crise econômica mundial podem, juridicamente, consistir em força maior capaz de embasar eventual reequilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo.

Ademais, resta claro o entendimento de que esses eventos macroeconômicos são imprevisíveis ou, quando menos, não é possível calcular a extensão dos seus efeitos. Para corroborar essa idéia, basta considerar que não é possível prever hoje, para o cenário brasileiro, se haverá variação cambial negativa durante o próximo mês. E, mesmo que se pudesse admitir que tal ocorrerá (admitindo, pois, que a variação cambial é previsível), é inegável que a sua dimensão ou os seus efeitos não podem ser calculados desde logo.

Portanto, entendemos que a crise econômica mundial encaixa-se nessa moldura, podendo a mesma justificar a readequação da cláusula econômico-financeira do contrato administrativo, com base no art. 65, inc. II, al. d, da Lei 8.666/93, desde que o particular demonstre, no caso concreto, que os efeitos da crise impactaram negativamente no contrato em curso.

MAURICIO GAZEN

OAB/71.456

GiOVANI GAZEN

OAB/RS 18.611

Gazen Advogados

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